Por Gustavo Mutran
Era uma vez um rei, tão exageradamente amigo de roupas novas, que nelas gostava todo o seu dinheiro. Ele não se preocupava com seus soldados, com o teatro ou com os passeios pela floreta, a não ser para exibir roupas novas. Para cada hora do dia, tinha uma roupa diferente. Em vez de o povo dizer, como de costume, com relação a outro rei: “Ele está em seu gabinete de trabalho”, dizia “Ele está no seu quarto de vestir.”
Assim começa o conto “A roupa nova do Rei” de Hans Christian Andersen, escritor dinamarquês de contos e fábulas infantis. Sua contribuição para a literatura infanto-juvenil é importantíssima e, graças a ela, a data de seu nascimento, 2 de abril, é o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Além disso, o mais importante prêmio internacional do gênero, O Prêmio Hans Christian Andersen, tem seu nome.
Pois bem, quer me parecer que, antigamente, os homens gostavam de lições morais em livros, anedotas, contos e peças teatrais, vide o clássico “O Conde de Monte Cristo”, de A. Dumas, onde o sofrimento atroz e inocente do personagem título o conduz a uma incrível jornada de autoconhecimento e superação.
Andersen, em “A roupa nova do rei”, não deixa por menos.
Eis que dois alfaiates estrangeiros chegam ao reino do tal rei do título e, rapidamente, espalham aos quatro cantos que são capazes de criar peças em padrões fora do comum, onde o estado de arte de sua criação era o incrível tecido invisível.
Como era de esperar, o rei, sempre negligente com seu povo, logo manda chamar os embusteiros. Fascinado com a lábia dos estrangeiros, apressa-se em encomendar uma peça de roupa soberba com o tal tecido invisível. Para tal empreendimento não pouparia esforços, esvaziou os cofres reais em favor da labuta dos ilustres visitantes:
Os embusteiros pediram mais dinheiro, mais seda e ouro para prosseguir o trabalho. Puseram tudo em suas bolsas. Nem um fiapo foi posto nos teares, e continuaram fingindo que teciam. Algum tempo depois, o rei enviou outro fiel oficial para olhar o andamento do trabalho e saber se ficaria pronto em breve. A mesma coisa lhe aconteceu: olhou, tornou a olhar, mas só via os teares vazios.
- Não é lindo o tecido? Indagaram os tecelões, e deram-lhe as mais variadas explicações sobre o padrão e as cores.
Eu penso que não sou um tolo, refletiu o homem. Se assim fosse, eu não estaria à altura do cargo que ocupo. Que coisa estranha!!”... Pôs-se então a elogiar as cores e o desenho do tecido e, depois, disse ao rei: “É uma verdadeira maravilha!!”
Andersen, com este conto, pinta um quadro onde é evidenciada uma situação extrema de orgulho e vaidade. Até onde tais fraquezas morais podem nos conduzir?
A apoteose do conto é o desfile do rei, inteiramente vestido do tecido invisível, ou seja, nu em meio à corte. Apenas uma criança tem coragem de dizer na multidão: “ O rei está nu!”
Das várias facetas morais do conto, podemos pensar em como é barato tirar vantagem da vaidade alheia, pois o enriquecimento relâmpago dos alfaiates trambiqueiros foi feito a custo zero. Bastou a palavra, o verbo, para incendiar o desejo do rei de ser ainda maior e mais vistoso do que os demais.
Além disto, o conto nos fala sobre a relação com o poder. Vemos que a atitude do monarca jamais é questionada, não existem limites ao ego do rei. Sua cegueira é aguda e a submissão e omissão de seus subordinados também. Ninguém quer ser tolo em não enxergar algo tão esplêndido ou pior, ninguém quer perder seu emprego!
O rei nu faz mal aos seus súbitos com sua negligência. Não se trata apenas de posar de ridículo, mas sim de deixar de fazer melhorias significativas por causa da vaidade.
Vemos e ouvimos falar de reis nus todos os dias. Por vezes, somos os próprios personagens centrais dos contos da cegueira coletiva.
Gustavo Mutran é pintor, designer digital e colaborador do Jornal Pôr do Sol.
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