junho 23, 2012

HANS BØRLI (1918-1989) nasceu em Eidskog, próximo da cidade de Kongsvinger, no condado de Hedmark, sudeste da Noruega. Faleceu com 71 anos. De dia exerceu a profissão de lenhador; à noite, enquanto os outros madeireiros descansavam, escreveu poesia. Os seus poemas mais conhecidos (“We Own the Forests” ou “Have You Listened to the Rivers in the Night”, por exemplo), refletem numa linguagem clara e escassamente metafórica, a estreita ligação que manteve com a natureza (aliás, uma das caracteristicas transversais à poesia escandinava), bem como certas particulariedades geográficas e climatéricas do longínquo Norte. A experiência da pobreza e do trabalho árduo, bem como a vivência das florestas e a solidariedade entre trabalhadores tiveram forte reflexo na sua poesia. Leitor compulsivo, foi-lhe mais tarde oferecido um lugar como estudante na academia militar de Oslo, cujos estudos teve que interromper com o irromper da Segunda Guerra Mundial, onde combateu os alemães, tendo sido capturado em Verdal. No final da guerra, regressou a Eidskog, tendo então trabalhado como professor e guarda-florestal. A estreia de Hans Børli na poesia ocorreu em 1945, e durante a vida terá escrito mais de onze mil poemas, dos quais traduzi oito, retirados da antologia “We Own the Forests and other Poems” (tradução do norueguês para inglês por Louis Muinzer), editado pela Norvik Press, em 2004 (2ª edição, 2007), editora fundada em 1984 em Norwich, com o apoio financeiro da Universidade de East Anglia, do Ministério da Cultura da Dinamarca, do Departamento Cultural Noroeguês e do Instituto Sueco.



GOSTO DO MAU TEMPO


Gosto do mau tempo.
Chuva dura no outono.
Neve pesada pelo Natal.
Liberta e alivia
algo congelado e varrido pelo vento dentro de mim.

- deitado num celeiro de feno
quando a chuva bate no telhado de lata,
e a floresta vagueia na névoa cinzenta!
É como finalmente chorar
completa e livremente
depois de uma longa hibernação na terra nua da mente.

Ou deslizando de esquis sobre o paul
num dia de Janeiro,
quando os flocos de neve jorram
pelo espaço como faúlhas brancas.

E o mundo pia,
pia com brancos sussurros
no céu –

Então estás só pela primeira vez,
completa e gloriosamente só.
Sabes que até os teus rastos de esqui
são apagados
assim que vais.

Sim, eu gosto de mau tempo.
Mas a visão do vôo dos pássaros pelo outono
pesa-me na mente.

Estive frequentemente em solo elevado
quando os guindastes guinavam para sul
com o sol por baixo de suas asas cinzentas.
Então soube tristemente
que amo o mau tempo
porque é cinzento

como o esquecimento.

(1949)

§


AS PALAVRAS


Temor das palavras –
eis algo que aprendi.
Versos que escrevi
versos que queimei.

Da dúvida no meu coração
sussurros crueis começam:
"Fraco, escreves
com uma arte emprestada.

A folha é adorável
quando é branca.
Poupa o espaço para a palavra
que não podes escrever".

(1949)

§


NÓS TEMOS AS FLORESTAS

Nunca fui dono de uma árvore.
Nenhum dos meus
alguma vez teve uma árvore –
embora o percurso da minha familia sopre
desde há séculos sob o cume
da floresta.

Floresta na tempestade,
floresta na acalmia –
floresta, floresta, floresta,
através dos anos.

Os meus
foram sempre uma gente pobre.
Sempre.
Filhos de vidas
e noites duras e geladas.

Os estranhos possuem as árvores,
e a terra,
a terra de pedras amontoadas
que meus pais removeram
à luz do luar.

Estranhos
com faces lisas
e mãos bonitas
e carro sempre aguardando
ao portão.

Nenhum dos meus
alguma vez teve uma árvore.
E ainda assim possuímos as florestas
pelo direito hereditário do nosso sangue.

Homem rico,
com teu carro e livro de cheques
e acções na companhia de madeiras de Borregaard:
podes comprar mil acres de floresta,
e mil acres mais,
mas não podes comprar o pôr-do-sol
ou o sussurro do vento
ou a alegria de regressar a casa
quando a urze floresce ao longo do caminho –

Não, nós temos as florestas,
do modo que uma criança tem sua mãe.

(1952)


§


DISTÂNCIA

Levanto-me e olho o céu
numa tarde de primavera sob o vôo das galinholas.
Estranho! A estrela maior
é uma coisa minúscula, pequenina
que a folha do vidoeiro pode cobrir.
– – –
Distância, é a distância
que torna o que é eterno suportável
Ainda bem que lança tão grande sombra,
a pequena coisa que está próxima…

(1958)


§


DEPOIS DE AUSCHWITZ

É difícil
olhar os próprios olhos
depois do que aconteceu
em Auschwitz.
Em Hiroshima.
Em Song My –

MAS NÃO VOLTES O ESPELHO.

Não penses
que aquele inferno teria sido possível
sem tu e eu.

(1972)


§


UMA COISA É NECESSÁRIA

Uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo díficil
de sem-abrigos e desterrados:

Fixares residência em ti.

Entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.

Para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.

(1974)

§


ENVELHECER


Envelhecer é um comércio triste,
incurável e solitário
como a alopécia.
E o pior é que
nunca consegues dividir
o cordão umbilical esticado
que te liga à juventude.

De repente podes dar contigo
saltando descalço na relva
e pulando em saltos loucos
sobre as alegres nascentes da juventude,
embora realmente estejas sentado numa pedra
apoiando o queixo numa bengala curva
sentindo a osteoartrite rasgar a
marcha dos pés, velhos e pesados.

(1991, publicação póstuma)


§
ESCREVENDO POESIA


De todo, não: não é difícil escrever poesia –
é impossível.
De contrário, pensas que teria persistido nisto
por mais de 40 anos?

Tenta, tenta só
pôr asas numa pedra, tenta
seguir o rasto de um pássaro
no ar.

(1991, publicação póstuma)

junho 11, 2012

EN DEL AV MED / PARTE DE MIM

EN DEL AV MED


En del av meg
Er gikt.
Del
Ocean.

Del
Eksistere.
Prisoner
Captive ...
Revolusjonerende.

Del
Transmutes.
Frigjort
Motstår
Mediter.

Den andre
Vedvarer
Slåss
Drukner.

En del av meg
Det er ustadig.
Raves
Surfing.

Den andre
Pacific.
Walk
Venter
Hvis dekkene.

En del
Å være.
Den andre
Party.

Del
Det er North.
Den andre
Sør.

En del av meg
Det er smil.
Den andre
Bare savnet!

En del av meg
Det er holdning.
Shout
Tvister
Stillhet
Er taus.

Den andre
Er overrasket
Fortryller
Forføre.

En del av meg
Uforståelig
Uforståelige
Raging.

Del
Det er farge.
Leads
Glitters.

Den andre
Bevegelse
Enkelhet.
Del
Avslører.
Den andre
Skjuler.
En del av meg
Det er håp.
Konstant Storm
Søt
Dread.
Del
Det er livet.
Den andre
Døden.
Sky
Hell.
En del av meg
Halvparten.
Del
Reason.
Del
Memories
Tanker.
Den andre
Selvmotsigelse.

En del av meg
Det er aroma.
Den andre ...
Poesi.

En del av meg
Det er en jente.
Den andre
Kvinner.

Del
Valkyrie
Del
Iracema.

Gåtefull
Uærbødig
Søt melankoli.

En del av meg
Mystery
Courage
Solitude.

Del
frukt,
Del
Timber.
Jeg er del
Deler
Av den samme Kvinnen.

Jeg forventer
Ingenting
Verden.
Jeg ønsker er
være meg.
Med alle deler
Utenkelige
Urørt
Eksisterende.
Alle kronbladene
Finnes i meg.


 

PARTE DE MIM
 
Parte de mim 
É gota. 
Parte, 
Oceano. 

Uma parte 
Coexiste. 
Prisioneira 
Cativa... 
Revolucionária. 

Uma parte 
Transmuta. 
Liberta 
Resiste 
Medita. 

A outra 
Persiste 
Luta 
Se afoga. 

Parte de mim 
É inconstante. 
Delira 
Navega. 

A outra, 
Pacífica. 
Caminha 
Espera 
Se cansa. 

Uma parte 
Estar. 
A outra, 
Parte. 

Uma parte 
É Norte. 
A outra, 
Sul. 

Parte de mim 
É sorriso. 
A outra, 
Só saudade! 

Uma parte de mim 
É atitude. 
Grita 
Contesta 
Silencia 
Se cala. 

A outra 
Se espanta 
Encanta 
Seduzi. 

Uma parte de mim, 
Incompreensível 
Indecifrável 
Indomável. 

Uma parte 
É cor. 
Conduz 
Reluz. 

A outra 
Movimento 
Simplicidade. 

Uma parte 
Se revela. 
A outra 
Se esconde. 

Uma parte de mim, 
É esperança. 
Constante tempestade 
Doce 
Atroz. 

Uma parte 
É vida. 
A outra, 
Morte. 
Céu 
Inferno. 

Parte de mim 
Metade. 
Parte, 
Razão. 

Uma parte
 Lembranças 
Pensamentos.
 A outra, 
Contradição. 

Uma parte de mim 
É aroma. 
A outra... 
Poesia. 

Parte de mim 
É menina.
 A outra,
 Mulher. 

Parte 
Valquíria 
Parte
Iracema. 

Enigmática
Irreverente
Doce melancolia. 

 Uma parte de mim
 Mistério 
Coragem 
Solidão. 

Parte 
Fruto, 
Parte 
Madeira. 

Sou parte
 De partes 
De uma mesma mulher. 
Não espero nada 
Do mundo. 
O que quero
 É ser EU. 
Com todas as partes 
Inimagináveis 
Intocadas 
Existentes. 
Todas as pétalas 
Contida em mim.
 (Kris Rikardsen.)

junho 01, 2012

INGEMAR LECKIUS

  INGEMAR LECKIUS

Nasceu em Kristianstad (como Ingemar Gustafson). Foi poeta, ficcionista e tradutor.


VIDA DE FAMÍLIA

Durante as longas e chuvosas noites de inverno quando o vento uiva lá fora, minha mulher e eu jogamos às cartas. Jogamos em completo silêncio com os nossos corpos por aposta.
Mais ou menos meia hora depois, considero que já perdi o suficiente e levanto-me dizendo calmamente: «Não joguemos mais. Já não tenho mais nada a apostar. Já perdi todo o exterior do meu corpo». O interior quero guardá-lo.
Mas a minha mulher nunca consente isso. Ameaçadoramente obriga-me a continuar o jogo. E só paramos de jogar quando eu perco o meu corpo todo. Só as minhas doenças – dores de cabeça, constipações e todas as minhas febres – ficam do meu lado da mesa. Essas noites são de fato bastante tristes.


(Tradução de Ana Hatherly)

BARBRO DAHLIN

 BARBRO DAHLIN

Viveu em Estocolmo e em Öland, uma ilha do Mar Báltico. Além de poeta e novelista, exercia psiquiatria. A sua poesia, à semelhança de muita da poesia sueca, é caracterizada por um recurso a símbolos da natureza, em concreto, imagens de sensualidade e esperança. DIA CLARO Em Junho existem dias em que o vento vem de norte e o ar é gelado e limpo o céu nu e apagado Ao longe no horizonte um pássaro gela parado Tirando isso não há sinais e nenhum rastro marcado Quem olhar para cima cai como se a gravidade não mais segurasse as suas maçãs Esse é o dia que a terra pára para recuperar o fôlego.