agosto 03, 2012

 Chega pela mão do poeta Jorge Sousa Braga, que  traduziu  o livro "O GRANDE ENIGMA" (2004), de Tomas Tranströmer.


O ROCHEDO DAS ÁGUIAS
Por detrás do vidro do terrário
estranhamente imóveis
os répteis.

Uma mulher estende a roupa
em silêncio.
A morte está ao abrigo do vento.

Nas entranhas da terra
a minha alma desliza
silenciosa como um cometa.


§

FACHADAS

1.

No fim da estrada vejo o poder
e é como uma cebola
com rostos sobrepostos
que caem um a um…

2.

Esvaziam-se os teatros. É meia-noite.
Palavras ardem nas fachadas.
O enigma das cartas sem resposta
afunda-se na fria cintilação.


§

NOVEMBRO

Quando se aborrece, o verdugo torna-se perigoso.
Enrola-se o céu ardente.

Gotas de água a cair da torneira ouvem-se de cela em cela
E o espaço transborda da terra gelada

Algumas pedras brilham como luas cheias


§

A NEVE CAI

São cada vez mais
numerosos os funerais
como os painéis na autoestrada
ao aproximar-se uma cidade.

Milhares de pessoas
na terra das grandes sombras.
Uma ponte constrói-se
lentamente
direito ao espaço.

§

ASSINATURAS

Devo passar
pelo umbral escuro.
Uma sala.
O documento em branco resplandece.
Como as muitas sombras que se movem
todos querem assiná-lo.

Até que a luz me trespasse
e dobre o tempo.

§

HAIKUS
1.


Jardins suspensos
num mosteiro lama.
Pinturas de batalhas.

*
Muro do desespero…
Não têm rosto
as pombas que vão e vêm.

*

Pensamentos parados,
os mosaicos coloridos
no pátio do palácio.

*

Jaula de sol.
De pé na varanda
como um arco-íris.

*

Murmúrio na névoa.
Longe um barco de pesca
…um troféu nas ondas.

*

Cidades cintilantes:
Tons, lendas, cifras—
Também…

2.

Veado ao sol:
as moscas cozem
a sombra ao chão


3.

Um vento gelado
trespassa a casa esta noite—
o nome dos demónios

*

Pinheiros descarnados
no mesmo pântano —
sempre e sempre.

*

Perdido na escuridão
encontrei um enorme sombra
num par de olhos.

*

Sol de Novembro.
A minha sombra nada:
Espelho.

*

Aqueles marcos de pedra
algures no caminho. Escuta
o arrulhar duma pomba

*

A morte dobra-se sobre mim.
Problema de xadrez.
Ela tem a solução.


4.

Com a sua cara de bulldog
o rebocador contempla
o pôr do sol.

*

Numa saliência da rocha
o estalido na escarpa mostra
o sonho, um iceberg

*

Subindo a encosta
debaixo do sol as cabras
ruminavam fogo


5.

As víboras
erguem-se no asfalto
como mendigos

*

Folhas ocre no outono—
tão valiosas como
os manuscritos do Mar Morto

6.

Na estante da biblioteca
do manicómio,
intacto o livro dos sermões

*

Sai do pântano!
O siluro contorce-se de riso
quando o pinheiro bate as doze.

*

Inchado de felicidade
naqueles pântanos-
mas quem canta são as rãs.

*

Ele escreve e escreve…
Grude flutua nos canais.
No Estige, aquela barcaça.

*

Silencioso como a chuva
ao encontro do murmúrio das folhas—
Escuta o sino do Kremlin

7.

Estranho bosque
Onde Deus vive sem dinheiro—
claras muralhas

*

Sombras rastejantes…
Perdida no bosque
a tribo de cogumelos.

*

Pega negra e branca:
teimosa corre em ziguezague
a direito através dos campos

*

Olha como me sento
uma barca em terra.
Aqui sou feliz

*

Trotam as alamedas
com armadura de raios solares.
Alguém chamou?


8.

Cresce a erva –
o seu rosto é uma runa
em memória

*

Uma imagem obscura.
Pobreza dissimulada,
flores num uniforme de presidiário


9.

Chegada a hora
repousa o vento cego
contra as casas

*

Eu estive ali –
sobre a parede caiada
amontoam-se as moscas.

*

O sol queima…
Um mastro com uma vela negra
de um tempo longínquo


*

Aguenta, rouxinol!
Do abismo cresce:
estamos disfarçados.

10.

A morte escreve
sobre o mar, enquanto
a igreja respira ouro.

*

Algo aconteceu.
O luar enche o quarto.
Deus sabia-o.

*

Caiu o tecto
e a morte pode ver-me:
aquele rosto.

*

Escuta o zumbido da chuva.
Para lá entrar
sussurro um segredo.

*

Cais da estação.
Que estranha esta quietude –
é a voz de dentro


11.

Milagre –
uma velha macieira
perto do mar

*

O mar é um muro.
Oiço grasnar as gaivotas:
elas saúdam-nos.

*

Por trás vento de Deus.
O tiro chega surdo—
sonho demasiado longo

*


Silêncio cor de cinza.
Passa o gigante azul.
A brisa do mar.

*

Um vento forte e pacífico
da biblioteca do mar.
Aqui posso repousar.

*

Aves com forma humana.
Macieiras em flor.
O grande enigma.



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