O ROCHEDO DAS ÁGUIASPor detrás do vidro do terrário
estranhamente imóveis
os répteis.
Uma mulher estende a roupa
em silêncio.
A morte está ao abrigo do vento.
Nas entranhas da terra
a minha alma desliza
silenciosa como um cometa.
§
FACHADAS
1.
No fim da estrada vejo o poder
e é como uma cebola
com rostos sobrepostos
que caem um a um…
2.
Esvaziam-se os teatros. É meia-noite.
Palavras ardem nas fachadas.
O enigma das cartas sem resposta
afunda-se na fria cintilação.
§
NOVEMBRO
NOVEMBRO
Quando se aborrece, o verdugo torna-se perigoso.
Enrola-se o céu ardente.
Gotas de água a cair da torneira ouvem-se de cela em cela
E o espaço transborda da terra gelada
Algumas pedras brilham como luas cheias
§
A NEVE CAI
A NEVE CAI
São cada vez mais
numerosos os funerais
como os painéis na autoestrada
ao aproximar-se uma cidade.
Milhares de pessoas
na terra das grandes sombras.
Uma ponte constrói-se
lentamente
direito ao espaço.
§
ASSINATURAS
ASSINATURAS
Devo passar
pelo umbral escuro.
Uma sala.
O documento em branco resplandece.
Como as muitas sombras que se movem
todos querem assiná-lo.
Até que a luz me trespasse
e dobre o tempo.
§
HAIKUS1.
HAIKUS1.
Jardins suspensos
num mosteiro lama.
Pinturas de batalhas.
*
Muro do desespero…
Não têm rosto
as pombas que vão e vêm.
*
Pensamentos parados,
os mosaicos coloridos
no pátio do palácio.
*
Jaula de sol.
De pé na varanda
como um arco-íris.
*
Murmúrio na névoa.
Longe um barco de pesca
…um troféu nas ondas.
*
Cidades cintilantes:
Tons, lendas, cifras—
Também…
2.
Veado ao sol:
as moscas cozem
a sombra ao chão
3.
Um vento gelado
trespassa a casa esta noite—
o nome dos demónios
*
Pinheiros descarnados
no mesmo pântano —
sempre e sempre.
*
Perdido na escuridão
encontrei um enorme sombra
num par de olhos.
*
Sol de Novembro.
A minha sombra nada:
Espelho.
*
Aqueles marcos de pedra
algures no caminho. Escuta
o arrulhar duma pomba
*
A morte dobra-se sobre mim.
Problema de xadrez.
Ela tem a solução.
4.
Com a sua cara de bulldog
o rebocador contempla
o pôr do sol.
*
Numa saliência da rocha
o estalido na escarpa mostra
o sonho, um iceberg
*
Subindo a encosta
debaixo do sol as cabras
ruminavam fogo
5.
As víboras
erguem-se no asfalto
como mendigos
*
Folhas ocre no outono—
tão valiosas como
os manuscritos do Mar Morto
6.
Na estante da biblioteca
do manicómio,
intacto o livro dos sermões
*
Sai do pântano!
O siluro contorce-se de riso
quando o pinheiro bate as doze.
*
Inchado de felicidade
naqueles pântanos-
mas quem canta são as rãs.
*
Ele escreve e escreve…
Grude flutua nos canais.
No Estige, aquela barcaça.
*
Silencioso como a chuva
ao encontro do murmúrio das folhas—
Escuta o sino do Kremlin
7.
Estranho bosque
Onde Deus vive sem dinheiro—
claras muralhas
*
Sombras rastejantes…
Perdida no bosque
a tribo de cogumelos.
*
Pega negra e branca:
teimosa corre em ziguezague
a direito através dos campos
*
Olha como me sento
uma barca em terra.
Aqui sou feliz
*
Trotam as alamedas
com armadura de raios solares.
Alguém chamou?
8.
Cresce a erva –
o seu rosto é uma runa
em memória
*
Uma imagem obscura.
Pobreza dissimulada,
flores num uniforme de presidiário
9.
Chegada a hora
repousa o vento cego
contra as casas
*
Eu estive ali –
sobre a parede caiada
amontoam-se as moscas.
*
O sol queima…
Um mastro com uma vela negra
de um tempo longínquo
*
Aguenta, rouxinol!
Do abismo cresce:
estamos disfarçados.
10.
A morte escreve
sobre o mar, enquanto
a igreja respira ouro.
*
Algo aconteceu.
O luar enche o quarto.
Deus sabia-o.
*
Caiu o tecto
e a morte pode ver-me:
aquele rosto.
*
Escuta o zumbido da chuva.
Para lá entrar
sussurro um segredo.
*
Cais da estação.
Que estranha esta quietude –
é a voz de dentro
11.
Milagre –
uma velha macieira
perto do mar
*
O mar é um muro.
Oiço grasnar as gaivotas:
elas saúdam-nos.
*
Por trás vento de Deus.
O tiro chega surdo—
sonho demasiado longo
*
Silêncio cor de cinza.
Passa o gigante azul.
A brisa do mar.
*
Um vento forte e pacífico
da biblioteca do mar.
Aqui posso repousar.
*
Aves com forma humana.
Macieiras em flor.
O grande enigma.
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