Escrito pela romena radicada no Brasil Mirella Faur, Ragnarök
é mais do que a introdução à mitologia nórdica como seu título sugere. É
uma obra extremamente completa sobre o assunto, que traz contexto
histórico, cosmogonia, panteões com verbetes individuais para diversas
grandes e pequenas divindades, descrições de criaturas mitológicas,
roteiro de datas sagradas e seus significados, linha do tempo, tabelas
de correspondências de divindades bibliografia organizada para quem quer
se aprofundar. Até guia de pronúncia o livro traz.
E histórias, muitas delas. Algumas com boa dose de
humor, como Loki que amarra seus colhões na barba de um bode e se deixa
arrastar para tentar fazer rir uma deusa, ou Thor – de todos os deuses –
vestido de noiva para recuperar seu martelo de um gigante.
Ragnarök tem dois grandes
méritos adicionais a meu ver. O primeiro é o enfoque feminino que Faur
consegue resgatar nas histórias sem tornar o livro um panfleto. Ela
mostra a tensão ao longo da história para que prevalecesse uma visão
mais patriarcal, em particular com a difusão do cristianismo nos países
nórdicos. Isso fez com que muitas manifestações femininas de poder
fossem tachadas de bruxaria, não só as sacerdotisas, mas a própria
tradição de transmissão oral de conhecimento entre as mulheres. Muitas
das histórias tradicionais que sobreviveram desses povos não foram as
passadas entre as mulheres, mas sim como as mulheres deveriam ser aos
olhos dos homens.
O segundo grande mérito – e para mim o maior – é
resgatar essas histórias, arquétipos e personagens como expressões
humanas ao invés de matéria-prima para produtos da indústria do
entretenimento. Não tenho nada contra filmes ou quadrinhos de
super-heróis, eu mesmo gosto de muitos, mas é bom lembrarmos que essas
representações são eco de algo muito profundo e antigo. São tentativas
de compreensão do universo dos seres humanos frente às forças da
natureza. São reflexos de medos e de desejos e uma forma de preservação
de identidade cultural ao invés de distração para um fim de tarde, que é
a principal relação que nós temos hoje com a mitologia.
Curiosamente, isso parece passar batido se você julgar Ragnarök
pela capa e contracapa, que traz ilustrações e comentários típicos de
literatura infantojuvenil, citando desde relações com games a Cavaleiros
do Zodíaco. Entendo a necessidade de uma editora de vender o seu livro e
encontrar ganchos para tanto, mas o livro de Faur não menciona nenhuma
dessas referências e se trata de uma obra madura e bem pesquisada sobre
mitologia nórdica. O leitor que buscar isso provavelmente nem vai abrir o
livro se julgá-lo por sua capa.
No final, o livro entrega bem o que propõe. Uma
excelente introdução à mitologia nórdica, muito informativa, bem
organizada repleta de boas histórias e explicações de contexto
histórico.
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