outubro 27, 2012

Ragnarök

Escrito pela romena radicada no Brasil Mirella Faur, Ragnarök é mais do que a introdução à mitologia nórdica como seu título sugere. É uma obra extremamente completa sobre o assunto, que traz contexto histórico, cosmogonia, panteões com verbetes individuais para diversas grandes e pequenas divindades, descrições de criaturas mitológicas, roteiro de datas sagradas e seus significados, linha do tempo, tabelas de correspondências de divindades bibliografia organizada para quem quer se aprofundar. Até guia de pronúncia o livro traz.
E histórias, muitas delas. Algumas com boa dose de humor, como Loki que amarra seus colhões na barba de um bode e se deixa arrastar para tentar fazer rir uma deusa, ou Thor – de todos os deuses – vestido de noiva para recuperar seu martelo de um gigante.
Ragnarök tem dois grandes méritos adicionais a meu ver. O primeiro é o enfoque feminino que Faur consegue resgatar nas histórias sem tornar o livro um panfleto. Ela mostra a tensão ao longo da história para que prevalecesse uma visão mais patriarcal, em particular com a difusão do cristianismo nos países nórdicos. Isso fez com que muitas manifestações femininas de poder fossem tachadas de bruxaria, não só as sacerdotisas, mas a própria tradição de transmissão oral de conhecimento entre as mulheres. Muitas das histórias tradicionais que sobreviveram desses povos não foram as passadas entre as mulheres, mas sim como as mulheres deveriam ser aos olhos dos homens.
O segundo grande mérito – e para mim o maior – é resgatar essas histórias, arquétipos e personagens como expressões humanas ao invés de matéria-prima para produtos da indústria do entretenimento. Não tenho nada contra filmes ou quadrinhos de super-heróis, eu mesmo gosto de muitos, mas é bom lembrarmos que essas representações são eco de algo muito profundo e antigo. São tentativas de compreensão do universo dos seres humanos frente às forças da natureza. São reflexos de medos e de desejos e uma forma de preservação de identidade cultural ao invés de distração para um fim de tarde, que é a principal relação que nós temos hoje com a mitologia.
Curiosamente, isso parece passar batido se você julgar Ragnarök pela capa e contracapa, que traz ilustrações e comentários típicos de literatura infantojuvenil, citando desde relações com games a Cavaleiros do Zodíaco. Entendo a necessidade de uma editora de vender o seu livro e encontrar ganchos para tanto, mas o livro de Faur não menciona nenhuma dessas referências e se trata de uma obra madura e bem pesquisada sobre mitologia nórdica. O leitor que buscar isso provavelmente nem vai abrir o livro se julgá-lo por sua capa.

No final, o livro entrega bem o que propõe. Uma excelente introdução à mitologia nórdica, muito informativa, bem organizada repleta de boas histórias e explicações de contexto histórico.

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